quarta-feira, 24 de março de 2021

...surge um beco sem saída.

Era como se tivesse olhos. Era como se pudesse enxergar. Era como se tudo ficasse claro a sua frente.
Um corredor comprido se estendia.
Era também estreito. Era também sufocante. Era também uma projeção interna de si.
Ainda não havia descoberto o mistério daquela imagem repentina.
Nunca havia visto antes. Nunca havia sentido antes. Nunca havia imaginado antes.
Portas e mais portas se espalhavam pelas laterais do corredor.
De formas diferentes. De cores diversas. De tamanhos disformes.
Sentia uma vontade imensa de procurar por algo perdido.
Como se fosse o conforto que lhe faltava. Como se fosse a resposta definitiva. Como se fosse o caminho a seguir.
Andou em frente segurando essa vontade, essa sensação urgente, essa fúria.
E passou por portas grandes. E passou por portas estranhas. E passou por portas ansiosas.
Avançou e avançou e avançou...
Passo apertado. Passo firme. Passo pesado.
Duvidou que a procura deveria fazer sentido e abriu uma porta a sua esquerda.

Lá dentro era breu.

Fechou.

Parou.

Viu o caminho percorrido e não o reconheceu. Era novo, era tudo novo. Não tinha passado. Não tinha origem. Não vinha. Só ia.
Olhou em frente e ficou confuso. Era cheiro que sentia. Isso era diferente. Vinha de algum lugar.
Deveria vir de algum lugar. Deveria haver uma razão. Deveria fazer sentido.
Partiu na esperança de ser aquilo que tanto precisava. Aquilo deveria ser o que buscava.
O cheiro era doce como o certo. O cheiro era forte como esperavam. O cheiro era intenso como se importasse.
Uma gota de suor escorreu. Era uma fornalha em si que lhe queimava as entranhas. 
Aquilo tudo era urgente. Aquilo tudo era pra já. Aquilo tudo era muito perigoso.

Sentiu medo
Sentiu alegria
Sentiu nojo
Sentiu fome
Sentiu desesperança
Sentiu frio
Sentiu saudade
Sentiu pressa

muita pressa...
...pra quê pressa?

Abriu a primeira porta que apareceu a sua esquerda. Era feita de madeira vermelha. Era muito pesada. A porta se arrastou para dentro. Seu movimento era solene. Durou mais do que poderia durar quando uma porta se abre. De dentro vinha o cheiro.

O cheiro era sedutor.
O cheiro era de morte.
Era o mesmo cheiro de sempre.

Abandonou a porta aberta e correu. Correu pelo corredor.
Que parecia não ter fim. Que parecia não ter motivo. Que parecia não ter objetivo.
Abriu mais uma porta. Abriu outra porta. Abriu a porta seguinte.
Todas tinham cheiro. Só que não se sentia cheiro.
Todas tinham fome. Só que não se sentia bem.
Todas tinham sentido. Só que não se sentia feliz.
Todas tinham razão. Só que não se sentia curado.

Parou e chorou sentado.
Chorou e soluçou sozinho.
Soluçou sozinho e se acabou.
Se acabou e dormiu.

E aquele corredor.
E aquele corredor voltou
E aquele corredor voltou outro dia
E aquele corredor voltou outro dia, de novo
E aquele corredor voltou outro dia, de novo e pra sempre.

Todo dia era dia de confinamento
Todo dia era dia de sair
Todo dia era dia de buscar
Todo dia era dia de viver
Todo dia era dia de respirar
Todo dia era dia de repetir

E repetiu...

...todo dia.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

...na rua da mata


- ...a verdade é que ela já tinha esquecido como podia fazer diferente. Tava presa num loop infinito. Como os psicólogos e terapeutas chamam mesmo? Padrões de comportamento!? É isso. Pois então, já tava nessa a um tempão. Só que aí...
- Aí o que, mulher, conta!
- E eu tô fazendo o que tricotando aqui com você? Me deixa terminar a história!?
- Tá bom. Anda logo. É que vc demora muito pra chegar no ponto.
- Porra! Eu ia chegar no clímax bem na hora que você me interrompeu, mulher. Segura o priquito, carai.
- Bora. Conta.
- Só que aí ela conheceu esse tal de Maurício, mestre Reiki, professor de Yoga, terapeuta holístico, carai de asa... Tem noção?
- Bicha. Pelo menos é bonito? Porque chato tá na cara que ele é.
- Sabe o Caio Castro?
- SEI!
- Então. Vira do avesso. I GUAL!
- HAHAHAHA
- Mulher, que homem feio da porra! Demais mesmo. Mas tem uma voz. Uma voz! Juro pra você que quando ele falou “Oi” minha vontade foi de ir no banheiro porque eu fiquei com medo dos outros perceberem que tinha uma cachoeira entre minhas pernas.
- Para!
- Juro pela sua mãe mortinha!
- Deixe mainha fora disso, sua rapariga!
- Mulher, a real é que esse homem deve tá fazendo ela gozar o dia inteiro. Até notei que ela tá bem magra. Deve ta trepando de tudo que é jeito, em cima de qualquer coisa, em qualquer lugar...
- ahahahaha....como tu é exagerada, menina. Mas e como ela tá agora?
- Ta diferente. Rosada. Magrela, mas rosada. Com cara de boba alegre. Sabe aquela cara que tu faz quando o boy te enfia o dedo no cu depois de te chupar por uma hora inteirinha.
- Filha da puta!...sei sim
- Então. Ela fica com essa cara o tempo todo quando ta do lado do Castro Caio...
To chamando ele assim pq...
- ...é o avesso do nome do Caio Castro. Mulher, tu não presta! Hahahaha
- Pois isso tô preocupada, viado!
- POR ISSO??? Deixa de ser invejosa, bicha. A menina tava toda errada na vida. Parecia que tava levando um coió a cada esquina. Já não vem fazer ponto tem 2 meses... Falando nisso, esse Voz de Pinto Grosso era cliente?
- Era porra nenhuma. Ela conheceu o bofe numa aula de yoga gratuita que ela foi fazer na praça. A bicha tava tão fodida que até essas merdas ela resolveu fazer. O lindíssimo é que tava dando a tal aula.
- Ah. Que bonitinho! Que bom que deu certo pra ela, né?
- Naaada. Não tá me cheirando nada bem essa história.
- Pronto! Lá vem a Seca Pimenteira zicar a pobre coitada. Baseado em...
- ...baseado???? Quero!
- Bicha maconheira do carai. Baseado em que a senhora está se arvorando o direito de ficar cheirando a vida da garota? Tá achando que é pó?
- Primeiro, tu sabe que eu não cheiro. Segundo, que porra é essa de árvore? Árvere? O Aurélio anda te comendo é?! Olha ela, escondendo o jogo que entrou pra família do Chico Buarque!
- Cala a merda da boca, bicha!
- Tô te dizendo, viado. Esse cara tá de olho no dinheiro dela! De algum jeito, com toda essa macumba holística dele aí certeza q ele sentiu a aura triste dela e o cheiro do dinheiro. Filho da puta oportunista do caralho! Com aquela cara de trem batido e incinerado...tem coisa aí, mulher, depois não diz que não avisei.
- Vou repetir a pergunta. Baseado em...PÁRA COM ESSA CARA!
- Quê? Fiz nada!
- Baseado em que tu defecando pela boca desse jeito?
- Eu vi, mulher, ninguém me contou não, eu vi como ela tá. Vi que esse puto da voz gostosa não presta. Teve esse dia que a gente se encontrou lá no bar do Vicentino, sabe? Aquele no centro? Cheio de rico querendo cheirar e comer travesti?
- Sei
- Eu tava lá pra encontrar um bofe que jurou me encher de joia se eu saísse com ele. Daí vi os dois de longe. Fiquei só na butuca, né.
- Bicha futriqueira.
- Ah, vai se foder. Tu ia fazer a mesma coisa.
- Ia nada... tá, ia sim...conta
- Logo de cara ele pediu uma garrafa. Uma GARRAFA de uísque! Daqueles bem caros.
- E daí, viado?
- ELA NÃO BEBE UISQUE, BICHA!!!
- Ah é. Essa garota só pede Gin. Aff! Toda vez a mesma merda. Gin. Gin. Gin. Gin de cu é rola grossa! Troço ruim da porra!
- Né?! Depois veio a porra do Gin tônica dela. Quando chegou a merda do drink o velho brocha chegou. Daí tive que dar atenção, né?! E o velho jogou baixo, já chegou botando a porra dum anel de esmeralda no meu dedo e falando que aquilo era só o começo.
- Porram! E tu ta falando dele assim? Só pelo anel eu chupava ele ali embaixo da mesa mesmo. Na hora!
- Ia porra nenhuma. Velho nojento. Só sabe falar do “Capitão”. Ah pa puta que pariu, nazista brocha chato do caralho. Deus sabe que eu só faço essas merdas por causa do dinheiro. Fim do ano tenho que trocar a prótese e fazer mais um monte de intervenção de rotina e não tenho nem a metade do dinheiro.
- “De rotina”? ahahahhahaha....tu é foda!
- Deixa eu falar, caralho.
- Fala, porra. To segurando teu cu por acaso?
- E o que tem o cu com isso?
- Só fala merda, boca de cu!
- Mulheeeeer! Tu vai arrumar ideia deu virar a minha mão na tua cara a troco de naaaaadaaaaa
- Continua...
- Teve essa hora que a merda do velho foi no banheiro. Finalmente, por sinal, puta que o pariu, não levantou da mesa nem pra cuspir. E eu doida pra bisbilhotar a mesa da outra. Enfim, o velho foi e eu cá meti os olhos na mesa deles. Bem na hora, mulher! Ela levantou pra ir no banheiro também e, não deu 1 minuto que ela saiu o avesso do paraíso meteu-lhe a mão na bolsa dela, acredita?
- Filho da puta!
- Quando eu falo tu tem que acreditar em mim, porra!
- E aí? Ele tirou alguma coisa? Roubou ela?
- Não vi. O velho capachão de milico voltou na hora. Mijo rápido da porra. Fiquei puta mas disfarcei com um sorriso mas falso que teus peitos.
- Falou a toda natural, original de fabrica, diferentona.
- Tentei disfarçar pra ver mais mas a outra tinha voltado pra mesa.
- E tu fez o que?
- Pensei comigo “vou no banheiro assim que ela for de novo e aviso sobre o safado feioso”. Só que quando consegui olhar de novo pra mesa deles eles já tavam pedindo a conta.
- Sério? Que merda. E quando foi isso?
- Tem uma semana.
- E o velho? Te encheu de joia?
- Porra nenhuma! Era golpista o bostão. O anel era falso, o piru não subiu e depois descobri com Geraldinho, o garçom do bar, que o cheque dele voltou e o dono tava querendo me encontrar pra pagar a conta daquela noite, acredita? Depois desse tempo todo de pista eu me meto com a porra dum velho fascista e estelionatário!
- HAHAHAHAHAHA Se fodeu!
- Brinca com isso não que eu mato você junto com ele!
- Mata nada. Pera! Aquele carro que parou ali é de quem eu to pensando?
- É sim, viada! Corre lá! É teu bofe! Vai lá! Bem que ele disse que ia aparecer de conversível pra te ver.
- Ai, mulher, nunca andei de carro batendo cabelo no vento antes. Já to molhada. Vou chupando ele daqui até o Bambinos.
- Deixa de onda e vai logo antes que ele escolha outra mais gostosa e mais nova que você, múmia reumática!
- Vou arrancar teus dentes com meu tamanco quando voltar, com a porra desse homem gostoso ainda escorrendo do meu rabo. Escreve o que eu tô te falando!
- Arranca nada! Não esquece de compartilhar a localização. Quero catar teus pedaços pela cidade não, piranha!

domingo, 27 de julho de 2014

...sentada no sofá da sala

toc toc
- oh, céus, o que pode ser dessa vez? só pode ser brincadeira. será a farmácia? meus ansiolíticos acabaram. ótimo! mas não lembro de ter pedido nada!
toc toc
- e essa pressa toda? pode ser a companhia de luz. não lembro de ter pago esse mês! justo essa semana que tem feito tanto frio, ficar sem luz seria um desastre! deixa eu ver se encontro o reci...
toc toc
- deus! me esqueci completamente. o aluguel vence hoje! pq dna. hermínia tem que ser tão apressada. são 15h ainda, onde ela está com a cabeça de vir aqui a essa hora? nem lembro onde enfiei meu pagamento. paguei as contas ontem, deve estar na minha bolsa ainda.
toc toc
- jesus cristo, são as garotas! as chamei para um café no fim da tarde para que tivesse tempo de arrumar a casa e ainda não fiz nada. olha essa bagunça! que vergonha! não, isso não pode estar acontecendo. o que elas vão pensar? que eu sou uma péssima dona de casa, e se eu não cuido bem da casa imagina como devo cuidar dos meus filhos. ótimo, uma péssima mãe e dona de casa!
toc toc
- já vai! o que eu faço? não posso abrir a porta assim, tão mal arrumada. olha esse cabelo. não era hoje que eu tinha hora marcada no gerson's? e essa roupa velha? preciso tomar um banho agora! já vai!
toc toc
- ainda tem todos aqueles trabalhos da faculdade pra fazer. não tenho tempo para receber ninguém. tanta coisa pra fazer e me aparece alguém justo agora! a essa hora!
toc toc
- já sei. se eu ficar bem quieta vão pensar que não tem ninguém em casa e vão embora. se a pessoa não estiver eles não podem entregar a intimação. é, eu vi na tv. vc precisa confirmar o seu nome, só assim eles podem te intimar. mas o que eu fiz de errado? eu não matei ninguém esse mês! eu só sou uma dona de casa, mãe, esposa, estudante...que mal eu faria para alguém?
TOC TOC
- Nossa Senhora, só pode ser um pesadelo. Deve ser coisa da Inês! Aquela vaca sempre teve inveja de mim. Ela deve ter armado alguma coisa. Será que ela me viu quando eu saí com o Fernando? mas isso já tem 15 anos!!! Ele pode ter sido preso e ela ligou pra polícia pra me incriminar como cúmplice. Eu sempre desconfiei dele. Devia tá metido com alguma coisa fora da lei. Confesso que isso me atraia, mas nunca pensei que pudesse ser PRESA por causa disso!
TOC TOC
- VAI EMBORA! ME DEIXA EM PAZ! EU NÃO QUERO SABER DE NADA! EU NÃO FIZ NADA! SÓ ESTOU TENTANDO VIVER COMO UMA PESSOA NORMAL. EU ACORDO CEDO TODO DIA PRA TRABALHAR. PAGO MINHAS CONTAS EM DIA. CRIO MEUS FILHOS SOZINHA ENQUANTO AQUELE FILHO DA PUTA SÓ CHEGA EM CASA DE MADRUGADA, BÊBADO, E EU AINDA TO ACORDADA ESTUDANDO E ESPERANDO ELE CHEGAR PRA LIMPAR A SUJEIRA QUE ELE DEIXA NA COZINHA. OH, DEUS, COMO EU QUERIA QUE ELE INFARTASSE COM TODA AQUELA GORDURA QUE ELE COME.
TOC TOC TOC
- SAAAAAI!!!! ME DEIXA TENTAR SER FELIZ! SÓ MAIS UM DIA! EU JURO QUE CONSIGO. ME DÁ MAIS UMA CHANCE? DESSA VEZ EU JURO QUE FAÇO DIFERENTE. MEUS FILHOS JÁ ESTÃO CRIADOS. EU VOU EMBORA DAQUI, DEIXAR AQUELE TRASTE SOZINHO COMO ELE SEMPRE FEZ COMIGO. POSSO ARRUMAR UM EMPREGO ATÉ ME FORMAR NA FACULDADE. ISSO! É SÓ EU ME FORMAR QUE TUDO VAI DAR CERTO, VC VAI VER! EU VOU SER INDEPENDENTE, VOU ME SUSTENTAR, VOU VIAJAR O MUNDO INTEIRO. CONHECER UM NOVO HOMEM QUE ME VALORIZE POR QUEM EU SOU, QUE ME AME, CUIDE DE MIM, RESPEITE MINHA LIBERDADE. EU VOU SER FELIZ!!! EU VOU SER FELIZ!!!!
...
- (soluços)
...
- ...
ring ring ring
- oh, céus, será minha mãe? onde que eu tava com a cabeça que esqueci de ligar pra saber se ela melhorou daquela tosse horrível. eu já falei pra ela largar o maldito cigarro mas ela não me ouve. ainda torra toda a aposentadoria pra se matar desse jeito. em mim ninguém pensa. tudo sou eu que tenho que resolver nessa família. de mim ninguém cuida.
ring ring
- Alou!...o quê? Fala direito, garoto, não tô entendendo nada.....Ãhn!??! Eu vou ser o quê? Eu vou ser avó??? Mas, Rogério, isso é impossível, vc só tem 17 anos, meu filho!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

...num bar qualquer

Arremessou o dardo e...
1000 pontos!

- Porra, Lucas, como você consegue acertar no alvo bêbado desse jeito?
- Nunca fico bêbado, champ, eu me inspiro!
- HAHAHAHAHAHA....ta serto! Mas me diz. Que fim levou aquela gatinha que você tava saindo? Uma delícia por sinal.
- Ah, bicho, ela veio com aquele papo de monogamia, namoro sério, bla bla bla com 2 meses de sexo só. Aí não, né. Sem contar que mês que vem é carnaval.
- Que carnaval, rapá? Mês que vem é agosto!
- Então! Já viu quantos encontros de estudantes vão rolar pelo Brasil?
- E tu num já se formou?
- Somos eternos estudantes, meu jovem. E a Cláudia, ainda apertando aquele travesseiro?
- Vai se foder, rapá!
- HAHAHHAHA

Lucas sai rindo em direção ao balcão do bar pra mais uma rodada de cerveja e outra dose de cachaça.

- Outro "Combo inverno", camarada. Isso, Boazinha e Original.

Enquanto ele aguarda o barman com seu pedido ouve o papo de duas morenas sentadas perto do balcão.

- ...e você deixou ele fazer isso, amiga?
- Claro que deixei. Homem gosta de pensar que ta bem na fita, que é o cara. Só assim eles têm história pra contar na mesa do bar pros amigos. Principalmente pros amigos que não pegam ninguém. Já notou que todo gostosinho que banca o garanhão sempre tem um amigo cabaço?
- HAHAHHAHA....claro, eles sempre sobram pra mim.
- Para, amiga! Já falei pra você não entrar nessa. Você é linda, ta no doutorado da UFRJ, tem emprego. Só falta acreditar mais, se impor. E também não ficar fazendo a coitada por que eu bem vi o gostosinho que você arrastou pra casa lá na Cave semana passada. Quando pretendia me contar, hein?
- Ah...eu marco meus golaços também, né?! Mas como de praxe, um babaca. Não parava de falar que viajou o mundo todo, que falava um monte de língua, ficava me chamando pra casa do pai em Búzios. Chatooooo!!!
- Então por que você pegou?
- Você mesma disse, amiga, GOS TO SO! Lambi os beiços.
- HAHAHAAHAHHA
- Pensei "vamos ver se ele trepa tanto quanto fala"
- E aí?
- Arrancar a segunda dele já foi um problema sério. Tive que usar quase todo o meu repertório. Minha língua já tava ficando dormente quando ele finalmente "acordou". Aí em cinco minutos derrotei o chefão. Mais rápido que no Sonic.
- AAAAAHAHAHAHAHAHA
- E o pior que eu tava quase lá. Você sabe como eu demoro quando o cara não ajuda. E esses gostosões NUNCA ajudam. Acham que ter aquele corpo de academia perfeito já é o suficiente pra gente gozar. Ele capotou e eu tive que completar o percurso por conta própria.
- Puta que pariu, esses caras de hoje são uns moles. A gente batalhou tanto pra diminuir essa diferença dos gêneros, foi pra faculdade, arrumou bons empregos, fez marcha das vadias, queimamos sutiãs, daí quando estamos poderosas eles estão uns frouxos.
- Ai, amiga, não é pra tanto. Isso é coisa de boyzinho da zona sul. Você já foi no baile charme de Madureira ou algum outro do centro pra lá?
- Não. Por quê?
- Ih...não sabe o que ta perdendo. Já já te conto, deixa eu ir no banheiro.

Jaqueline levanta e percebe que Lucas está vidrado nela.

“Em mim, na minha história, no meu decote ou em todas as anteriores? Gatinho ele.” – pensa.

Passa pelo garoto olhando-o fixamente nos olhos. Ele não pisca. Ela entende. Passa e passa a mão no seu ombro...

- Licença

Ele, congelado, balbucia algo inaudível. Ela passa por ele, um olhar por cima do ombro no terceiro passo, e vai rumo ao banheiro. Perto da porta ela ouve um soco na mesa próxima. Um casal...

- Juliana, você ta falando merda!
- MERDA?!
- Fala baixo, porra!
- Baixo o caralho. Sei bem quem é aquela piranha ali. Ela é amiguinha da tua ex que tu comeu logo depois que separou, ou você vai querer mentir pra mim e dizer que eu to "falando merda"?
- É a Silvia sim e você continua falando merda. Comi mesmo. Ela inventou uma desculpa e veio me dar em casa quando terminei com a Lu, mas foi só aquilo. Trepa mal pra caralho, nunca mais quis. Fiquei com remorso.
- Oh...que fofo, ele ficou com remorso.
- Deixa de ser escrota. É a primeira vez que vejo essa garota desde então.
- Percebe-se pelo olhar que você lançou nela. Me diz, qual a cor da calcinha? Porque com certeza você viu a cor da calcinha dela nessa olhada.
- Pára! Que mané olhada. Eu só cumprimentei a garota, ela tava na minha frente, não ia bancar o mal educado só porque eu to com você.
- Bancasse. Você é mal educado quando ta comigo. Foda-se essa piranha.
- Ta maluca, garota?
- Não me chama de maluca, muito menos garota!
- Então porque tu ta fazendo essa cena toda? A gente tava na moral até entrar nessa porra de boteco. Até na merda do yogoberry eu te levei. E tu sabe que eu odeio essa porra.
- Foi você que estragou tudo. Sabe que eu não vou com a cara dessas piranhas que você já comeu. Ainda por cima no nosso aniversário de 4 meses.
- Amor, pára! Deixa de ser boba. Sabe que eu te amo. Esqueceu que eu larguei um carnaval por você? A galera do bloco me chama de cabaço até hoje porque perdi o desfile.
- Imagino que pro gostosão do trompete deve ter sido muito difícil largar o carnaval. Deixou de comer quantas? 20, 30?
- Olha só você de novo. Já te falei que...
- Ta bom, ta bom! Tava brincando com você. Eu sou ciumenta demais mesmo. Certo que você me dá motivo. Sua história me dá motivo. Mas relaxa, meu bem, vamos aproveitar nossa noite. Pega mais um litrão lá pra gente que hoje eu quero ficar quentinha pra você mais tarde.
- Hahahaha....ta bom. Antes vou ao banheiro. Já volto.

Ives levanta e dá um beijo demorado na sua menina, pega um guardanapo sem ela perceber e vai ao banheiro. Entra no corredor que separa o masculino do feminino e dá uma olhada rápida pra onde Silvia estava sentada. Ela não está mais lá, só a amiga conversando com um cara qualquer.
Minutos depois Silvia volta, desvia do rapaz que sai com sorriso no rosto, e senta.

- Amiga, você não vai acreditar. Lembra que quando a gente chegou e eu comentei sobre aquele cara que eu cumprimentei?
- Sei, o tal Ives “Um minuto”.
- Ele mesmo. Você acredita que o babaca me entregou isso quando eu tava saindo do banheiro?!

No bilhete lia-se:

“Não sei onde eu tava com a cabeça de começar a namorar sem ter outra noite como aquela nossa. Quero você de novo. Meu telefone e whatsapp. Vamos repetir amanha?! Te pego onde você quiser, to livre depois das 19h. Beijos ardentes. Ives”

- AHAHAHAHHAHAHAHA Beijos ardentes!??!!?!?!? Que canalha! E com a namorada dele aqui!
- Pra você ver. Esses caras são o oh.
- O pior é que quando eu entrei no banheiro ele tava quebrando o pau com a menina. Devia ser por sua causa. Eu vi a olhada sinistra que ele te deu.
- Coitada. Se não tiver aprontando também ta fodida na mão desse idiota. Mas me conta. O que esse gatinho tava falando de tão interessante no seu ouvido quando eu cheguei?
- Ah resolvi sair da defesa, amiga. Quando eu tava te contando minha história com o gostoso da Cave ele tava quase gozando ouvindo tudo. Fui ao banheiro e antes dei uma provocadinha básica pra ver qual era a dele. No primeiro momento ficou na merda, mas depois de conversar com o amigo veio todo serelepe puxar assunto logo que você saiu.
- E ai?
- Eles tão de carro e disseram que dão carona pra gente até o arpoador pra um forró que ele jura que ta rolando ainda.
- A essa hora? São 2 da manha!
- Ele disse que vai até de manha. Ainda me manda que “a gente pode ralar coxa e depois ver o nascer do Sol juntinho na praia”
- Gostei da idéia, hein. Mora perto? Me deixa em Ipanema?
- Mora. Ali perto da Siqueira Campos. Mas tem um porém.
- Fala.
- Não, olha ali. Você vai ter que pegar o amigo cabaço dessa vez. O que você acha? Eu achei tranqüilo, falta ver o papo.
- Hmmm. Interessante. A muito tempo não fico com um baixinho. Será que ele ta na regra do L?
- HAHHAHAHAHA
- HAHAHAHAHAHA....no caminho eu decido se o papo dele me convence ou não.

Percebendo as risadas e olhares, Lucas bate na perna do amigo, os dois levantam e vão até as garotas. Jaqueline também se levanta e surpreende Lucas com um beijo que deixa Silvia e o Amigo se olhando sem graça.

- Oi! Prazer, Silvia.
- Prazer, Victor. Vamos pagar logo essa conta pra pegar o forró no auge?
- Claro.


Os quatro saem do bar para a noite estrelada e fresca do Rio de Janeiro. Não sem antes comprar 3 latões para o caminho até o arpoador aos olhos de um São Sebastião orgulhoso dos cidadãos que sempre lhe dão prazer em proteger.

terça-feira, 8 de abril de 2014

...o fim se aproxima

- Eu é que não vou ficar aqui parado enquanto o mundo se desencanta em areias movediças e pinturas a óleo

Pegou a escada, firmou bem no assoalho e subiu. Subiu no topo da montanha mais alta que seus pulmões podiam aguentar respirar. Suspirou e olhou pra baixo. Rios de pessoas queridas cortavam como veias seus belos campos de acertos e decepções. Ouviu um grito ao longe.

- E você, o que faz aqui?
- Estou pensando em fazer a maior avalanche que esse mundo já presenciou - respondeu de olhos abertos e cera nos ouvidos
- É o suficiente? É necessário acordar os segredos adormecidos por tanto tempo? Você é mesmo capaz de desmoronar? - a voz insistiu serena entre uma brisa e outra
- E quem duvida? Sou eu mesmo, Deus dos meus ventos e vontades. Sou eu mesmo o vilão que provoca a fúria do herói que sou. Eis me aqui pronto para odiar-me infinitamente em ação desgovernada. Minhas mãos sangram urgentes, querem rugir alto movimentos escandalosos. Eis me aqui, eu e meu ancião silêncio. Que jamais cale-se outra vez!

Em um movimento brusco pincelou o ar com seus braços em movimentos firmes. Doces eram as vontades, duras eram as exigências. O céu rachou-se ao meio com trovoadas invocadas - KBOOM! - Gritou seu coração lá do alto cansado da bagunça (outras histórias contam que foram assovios despreocupados com o fardo que se fora). Atingido em cheio pelo inverso da inércia, sentiu-se desamparado em sua própria fortaleza. O chão tremia de medo dele, parecia querer fugir para longe dos seus pés que fincavam os dedos na terra surrada do topo da escada.

- Que se façam vivos os meus erros. Levem embora todos os acertos sorridentes!

Tormenta, o Deus habitante do centro do seu peito toma forma à partir de seus gestos. É mais poderoso do que jamais imaginava. Gargalhou alto envergando sua coluna como faziam as árvores frondosas dos bosques de suas memórias. Era aquilo que sempre desejava. Causar tempestade, redemoinhos e furacões tão fortes que abalassem todos os mundos que encontrassem no caminho dos seus olhos. A escada volta a mover-se de forma irregular e perigosa. Dessa vez seus pés deram por encerrada sua íntima relação com a terra que pareceu sempre uma companheira inseparável.

- Está aqui minha obra! Contemplai o magnifico despertar das minhas cores! Que o mundo nunca mais volte a ser apenas o suor dos que dele dependem. Abro aqui as asas de uma nova aurora! Declaro encerrado o fim e proclamo o Eterno como nova lei. As amarras estão frouxas, o infinito nos aguarda para uma xícara de chá na penúltima esquina do universo.

A voz: - És louco, homem mundano? O que pensa fazer de ti em campos tão floridos e férteis? O que pensa ser a renovação é apenas o passado de um recomeço triste e acabado. Está repetindo o teu equivoco de amanhã. Enfadonho é teu nome, e Destino é tua prisão. Não percebe a redundância dos teus atos, humano?

- Não - retruca ele - Sei bem o que faço ao libertar-me dos sentimentos. São minhas feridas que te incomodam? São minhas cicatrizes que te fazem parecer ser eu incapaz? Não me julgue tolo! Sou o que serei sob domínio do que já fui. Estou morto mas vivo do reinício. Não sofro calado. Silencio no desespero e volto a cantar no lombo da prima luz de todos os dias! Eis de ser a explosão cósmica que cega a placidez do artista, conformado com sua excelência, fatigado do seu talento, mastiga as horas trabalhando por vil sucesso entre mortos de sede à beira do rio da vida. Chega! Um brinde a sedução da beleza, pois seus dias de placidez encerram sua contagem agora!

E com um movimento forte do seu coração expulsa a voz para o além. Tormenta desce forte a montanha contando aos 4 ventos catástrofe. No horizonte tudo cai, e sobe e explode em vida. O vazio chega atrasado para a festa e se senta sozinho num canto, ele sabe que logo chega a sua hora. Mais movimentos bruscos balançam a escada. E mais...e mais...e mais. Até lembrar que seus pés não tem asas, a pesar de solteiros e livres. Um aperto em forma de choque toma-lhe o corpo inteiro. E mais uma vez. Outro choque forte sacode-lhe o corpo. Os olhos vão enxergando o branco, a folha em branco.

- Está para acontecer. É a hora!

A escada despenca levando consigo seus pés que esqueceram seu compromisso vital com suas pernas, que por sua vez não querem abandonar seus quadris nesse momento de crise. Esses apelam para seu tronco que tem nos braços a força para reagir. Incapazes de relacionarem-se fisicamente com o ar passam seu insucesso à cabeça que avisa o resto do corpo em desespero "Lá vamos..."

tuuuuuuuuuuuuuuuuutu........tu.......tu.........tu........tu.......tu.....

- Dr.! Dr.! Recuperamos o paciente. Temos pulso. Pressão arterial voltando a normalidade.
- Parabéns equipe! Devolvemos à vida mais um homem!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

...na cabeça de um recém falecido

Fui encontrado morto hoje por volta das dez e quinze da manhã.
Os primeiros que chegaram, e não viraram o rosto, presenciaram algo estapafúrdio. Era meu corpo, cinza, retorcido, cheio de hematomas mas...com um sorriso largo na face.
Disseram para meus familiares que foi suicídio. Eu duvido. Os hematomas estão lá para apontar o contrário. Pernas, braços, principalmente nas costas. Sinais claros de espancamento seguido de um empurrãozinho maroto rumo ao vazio de fora do prédio.
Mas então, porque o sorriso me cobria a feição?
Descobri que morto não tem memória. É claro, o HD ficou na cabeça rachada no passeio. Nem o funcionário de TI mais nerd e excluído das rodas sociais da melhor empresa de softwares daria um jeito nele.
Como deve ter se dado a minha morte? Um mistério tão misterioso quanto a minha vontade de investigar o fato. Sei lá, as coisas parecem tão mais simples agora. Fico aqui flutuando, vendo gente, viajando o mundo...tô nem aí para o resto.
Pensei em me importar quando vi minha mãe e meus amigos chorando no meu enterro. Só pensei porque achei graça. É, bicho, achei graça. Acho que tudo o que me faria ficar triste ou chateado ficou no corpo, lá no HD danificado. Conclusão: nem esperei que me enterrassem e fui curtir o jogo do Botafogo no (new) Maracanã.
Pois é, do Glorioso eu não esqueci!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

...os afetos se confundem



Ele acorda de manhã e me dá ‘bom dia’ antes mesmo de levantar.
Durante o (rápido) café da manhã fico sabendo de toda a sua programação do dia e recebo um beijo, um abraço e desejos sinceros para que meu dia seja tão feliz quanto o dele.
No trabalho ‘tá chato’, ele me confidencia, ‘a chefe não larga do meu pé’ e torce pro tempo voar. (Para me encontrar, talvez?!).
‘Hora do almoço’ e estou com ele à mesa. Discutimos a manhã com o alívio de ter se passado um dia inteiro. Ele termina antes de mim. Eu acelero as garfadas quando ele me da um beijo e chama. ‘Bora pra facul!!!!’
Chegamos juntos à universidade e ‘que sorte!’ (só que não!) ‘a professora não veio’. Antes de cogitar minhas opções ele lê meus pensamentos. Tudo pronto, ‘carona com o parceiro Marcelo Tuta’, quando percebo já ganhei outro abraço. ‘Partiu PRAIA!!!’. Não teve como não curtir a ideia.
Além do Marcelo uma amiga apareceu para engrossar o ‘bonde’. Fico na minha, de longe, observando. Sorrisos lindos e gargalhadas gostosas brotam dos três como se não houvesse um segundo da vida em que não fossem felizes. Vejo a alegria saltar dos seus olhos quando, abraçado a amiga, tomam um ‘caixote na hora errada!’. Eu rio.
Como previsto ‘um puta transito na volta pra casa’. Sabendo que ia chover (será que ele vai ficar bravo por eu não ter avisado?), levei guarda chuva e cheguei seca e triste em casa. Ele, como ‘ainda nem sabia dessa chuva de fim de tarde’, chegou molhado e feliz em casa. Sem comentários.
Tomo um banho e penso nele. Neles. Não! Vou estudar. Mas ele não deixa. ‘Vamos nessa festinha?’. Eu não vou! Ele vai. (Ela também). Eu sei e não quero ver. Ele me abraça e deseja boa noite. Eu não comento.
Dou um abraço em meus amigos e lhes digo como são especiais com uma foto bem brega de dois ursinhos se abraçando, ‘Nossa #amizade é o que me dá forças!’.
#sextaemcasa #boanoite