quarta-feira, 24 de março de 2021

...surge um beco sem saída.

Era como se tivesse olhos. Era como se pudesse enxergar. Era como se tudo ficasse claro a sua frente.
Um corredor comprido se estendia.
Era também estreito. Era também sufocante. Era também uma projeção interna de si.
Ainda não havia descoberto o mistério daquela imagem repentina.
Nunca havia visto antes. Nunca havia sentido antes. Nunca havia imaginado antes.
Portas e mais portas se espalhavam pelas laterais do corredor.
De formas diferentes. De cores diversas. De tamanhos disformes.
Sentia uma vontade imensa de procurar por algo perdido.
Como se fosse o conforto que lhe faltava. Como se fosse a resposta definitiva. Como se fosse o caminho a seguir.
Andou em frente segurando essa vontade, essa sensação urgente, essa fúria.
E passou por portas grandes. E passou por portas estranhas. E passou por portas ansiosas.
Avançou e avançou e avançou...
Passo apertado. Passo firme. Passo pesado.
Duvidou que a procura deveria fazer sentido e abriu uma porta a sua esquerda.

Lá dentro era breu.

Fechou.

Parou.

Viu o caminho percorrido e não o reconheceu. Era novo, era tudo novo. Não tinha passado. Não tinha origem. Não vinha. Só ia.
Olhou em frente e ficou confuso. Era cheiro que sentia. Isso era diferente. Vinha de algum lugar.
Deveria vir de algum lugar. Deveria haver uma razão. Deveria fazer sentido.
Partiu na esperança de ser aquilo que tanto precisava. Aquilo deveria ser o que buscava.
O cheiro era doce como o certo. O cheiro era forte como esperavam. O cheiro era intenso como se importasse.
Uma gota de suor escorreu. Era uma fornalha em si que lhe queimava as entranhas. 
Aquilo tudo era urgente. Aquilo tudo era pra já. Aquilo tudo era muito perigoso.

Sentiu medo
Sentiu alegria
Sentiu nojo
Sentiu fome
Sentiu desesperança
Sentiu frio
Sentiu saudade
Sentiu pressa

muita pressa...
...pra quê pressa?

Abriu a primeira porta que apareceu a sua esquerda. Era feita de madeira vermelha. Era muito pesada. A porta se arrastou para dentro. Seu movimento era solene. Durou mais do que poderia durar quando uma porta se abre. De dentro vinha o cheiro.

O cheiro era sedutor.
O cheiro era de morte.
Era o mesmo cheiro de sempre.

Abandonou a porta aberta e correu. Correu pelo corredor.
Que parecia não ter fim. Que parecia não ter motivo. Que parecia não ter objetivo.
Abriu mais uma porta. Abriu outra porta. Abriu a porta seguinte.
Todas tinham cheiro. Só que não se sentia cheiro.
Todas tinham fome. Só que não se sentia bem.
Todas tinham sentido. Só que não se sentia feliz.
Todas tinham razão. Só que não se sentia curado.

Parou e chorou sentado.
Chorou e soluçou sozinho.
Soluçou sozinho e se acabou.
Se acabou e dormiu.

E aquele corredor.
E aquele corredor voltou
E aquele corredor voltou outro dia
E aquele corredor voltou outro dia, de novo
E aquele corredor voltou outro dia, de novo e pra sempre.

Todo dia era dia de confinamento
Todo dia era dia de sair
Todo dia era dia de buscar
Todo dia era dia de viver
Todo dia era dia de respirar
Todo dia era dia de repetir

E repetiu...

...todo dia.